Quarta-feira, 18 de Abril de 2007
Todos os dias ando no metro de Lisboa. Ontem estava sossegado no meu canto a ler até que me deparo com uma ave, infelizmente não tão raro quanto seria expectável. O que é que esta besta tinha de diferente de muitas outras? Este artista de circo acabava todas as frases com “...e o ca**lho!”
O diálogo a que pude assistir (e o resto da carruagem, falavam ligeiramente alto, deviam ser meios surdos ou ter cera acumulada nos ouvidos) durante duas estações (felizmente) foi o seguinte:
Gajo – Ontem foi ao hi5 e o ca**lho!
Amigo do Gajo – E então...foste falar com gajas?
Gajo – Fui, estive a falar com a tipa do outro dia e o ca**lho!
Amigo do Gajo – E vais conseguir sair com ela?
Gajo – Penso em sexo com ela e o ca**lho!
Amiga do Gajo – E o Benfica ontem, quem é que marcou os golos?
Gajo – Quem é que marcou os golos? Ficou empatado és mesmo burra e o ca**lho!
Amigo do Gajo – Yah!
Amiga do Gajo – Não sabia, foi porque não vi o jogo!
Gajo – Caga nisso! Vamos sair! (não sei como é que ele não acabou esta tirada com o “...e o ca**lho!”, deve ter-se esquecido.)
Finalmente saíram e pude continuar a ler. Li mais umas páginas e o ca**lho! E cheguei ao meu destino.
Pensamento do Dia: Sem comentários!
Temos dito.
Ass: “Um de nós”
música: Paradise Lost - The Enemy
sinto-me: palavrão
Penso que um blog tão libertino como o Alfinete de Peito está preparado para receber este texto! Uma explicação quase ciêntifica para o bom uso do palavrão. Enjoy.
"O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me.
"Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"
"Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então,
foda-se!"
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes? No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!". Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência. Solta logo um definitivo: "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!". O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai levar no olho do cu!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!". Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!" Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a
desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”
Então:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!
(Adaptado de Foda-se, Millôr Fernandes)
Assim, me despeço com saudações Valetianas,
Catarina
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